sexta-feira, 21 de novembro de 2014

querida Bola de Sebo,

Sinto muito por ignorá-la por tanto tempo, mas a demora não mudou nada: te admiro absurdamente. Te admiro ainda mais por saber que você é uma personagem da guerra de 1870, de um texto publicado por Maupassant apenas dez anos depois, e, ainda assim, tão moderna.

Estou te enviando essa carta para te contar umas coisas aqui do futuro. Sabe, não conheço muito bem o Maupassant e não sei exatamente o que ele pensou ao te criar, mas, vamos combinar, você é uma mulher incrível! Prostituta, zoada por ser gorda, mas com uma consciência do seu corpo que nunca vacilava, por mais que te dissessem que "já que você deu para muitos, não custa nada dar pra esse prussiano".

Não quero contar toda a sua história aqui, mas queria lhe dizer que, depois que eu a li, eu fiquei tão assustada! Desde o final do século XIX, você já tava mostrando a dor que é a mulher não poder ter o controle dos seus desejos e dos seus parceiros, e essa lição já devia ter sido aprendida.

Sei que isso não deve animar em nada você, mas a minha sociedade e o meu tempo ainda olham feio para a mulher que diz sim ao homem que ela deseja, criaram até um novo conceito para gerar preconceito, um tal de "fulana é fácil". Porque a mulher ainda não pode ter um papel ATIVO nas escolhas. A facilidade, no caso, foi do homem de conquistar/enganar aquela fulana. Aqui, ainda quase não se fala de "fulana quis".

Mas, ainda pior, é que a minha sociedade e o meu tempo ainda não respeitam a mulher que diz não. E continuam violentando verbal e fisicamente, essas mulheres. Para ocultar um pouquinho que as coisas não mudaram muito, hoje a gente escuta que as mulheres dizem não "para fazer charme", "para se fazer de difícil". E são essas crenças que justificam alguém passar por cima da vontade da mulher.

Imagino que tudo isso deve estar te deixando ainda mais triste. Mas não fique! Se alguém ficou mal naquela história com o prussiano, com certeza, foram aquelas pessoas que estavam com você. E você é uma personagem tão inacreditável que, eu acredito, ainda tem muito para nos falar sobre os dias de hoje.

Quando receber, não precisa avisar, mas saiba que eu recebi seu recado.

Abraços,
Seane.



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