domingo, 23 de novembro de 2014

querido Pipoca,

Fico aqui pensando em como esta carta te encontrará no seu aniversário de 36 anos. Esta é a idade que tenho agora, por isso é um marco tão importante para mim.

Começo, aos poucos, a sentir que toda a minha vida fez sentido, tudo maquinou para me trazer até aqui. Mesmo aquelas lombadas, patrulhas e buracos infernais pelo caminho.

Quando você nasceu eu não era eu ainda, entende? Eu era alguém em construção. Apesar de nunca ter negligenciado amor talvez tenha negligenciado atenção. Espero, do fundo do coração, que você entenda que são coisas diferentes.

Por um lado, acho que foi bom porque você aprendeu a se virar sozinho e a assumir responsabilidades pelos seus atos desde muito cedo. Foi a grande lição que seu nonno me deu, e eu, aos trancos e barrancos, tentei passar para você:

"Não culpe os outros, vá lá e faça acontecer.”

Eu poderia destilar uma lista de desculpas, das mais banais como “desculpe por não estar presente em cada uma das suas apresentações da escola”, até as mais doídas como “desculpe por não ter ido a sua festa de 10 anos”. Eu sei que ela foi muito importante para você...

Mas decidi não engarrafar essa bebida amarga hoje. Como disse, eu era uma pessoa em construção e essa pessoa precisava cimentar seu caminho para poder caminhar segura até você.

Por todas as vezes que você me abraçou no carro do nada e me disse “te amo, que saudades”, eu me desmontei em mil pedaços. Mas hoje eu me rejunto.

Por todas as vezes que conversamos por horas, sem alarme para ir embora, eu me realizo por ter em você uma alma tão irmã.

Enquanto escrevo tenho 36 anos e você 14.

Hoje você é meu amigo-filho, para quem tenho o maior prazer de ensinar e mostrar a vida real, sem maquiagem. Bela e assustadora, ao mesmo tempo.

Toda vez que você ri e entende as minhas entrelinhas nos discursos inflamados (e sua mãe é uma pessoa que fala, você sabe) vejo que somos iguais, mesmo depois de termos sido diferentes por tanto tempo.

Obrigada por ter respeitado meu tempo de construção. Obrigada por nunca ter me julgado, cobrado ou condenado.

Você me ensinou a ser tolerante, compreensiva e muito mais amorosa. Essas são lições muito mais importantes do que eu jamais serei capaz de te ensinar.

Enquanto você lê tenho 57 anos e você 36.

Espero que esta carta te encontre pleno, sempre em busca de você e consciente do mundo que nos ronda: implacável, maravilhoso e cheio de possibilidades. Se existe algo que não mudou durante todos esses anos é o fato de eu te amar, simultaneamente, de todas as maneiras possíveis.

Quando receber me avisa.

Mamãe.











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Bia Lombardi é autora do Bramare, cantora da Bellatrix e diretora criativa da marcaVIVAdesign. Já teve um filho, escreveu um livro e, multitask do jeito que é, com certeza também já plantou uma árvore.

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